Olá. Meu nome é Aline Solano, tenho 23 anos e hoje... bem, eu matei Seline Moon... mais uma vez! Sei que essa frase pode soar forte, talvez até alarmante, mas fique tranquilo. Ninguém morreu de verdade, pelo menos n?o no sentido literal da palavra. "Matar Seline Moon" é a minha metáfora sombria para o ritual diário de suprimir a parte mais autêntica e vibrante de mim. Uma garota que ama cores intensas, músicas que gritam a alma, e que se sente à vontade na própria pele, mesmo que essa pele seja diferente do que a sociedade espera.
E é triste, mesmo sendo apenas uma forma de falar. Porque me faz pensar... uma vida apenas sobrevivendo ainda é realmente vida? Se esconder, se conter o tempo todo, moldar-se para caber em caixas que n?o foram feitas para você... essa existência, por mais seguran?a que possa parecer, n?o deixa de ser uma lenta extens?o do eu verdadeiro. E a liberdade que tanto buscamos ao usar essas máscaras... ela seria sincera? Seria direcionado a nós ou à pessoa que nos esfor?amos tanto para criar?
Ainda vestida com meu pijama rosa de algod?o da Sailor Moon, desci as escadas arrastando as pantufas de gatinho preto, quase idênticas ao Salém, que agora ronronava pregui?osamente enrolado em meus tornozelos. Preparei uma xícara de café preto, t?o densa e amarga quanto a própria alma que sentia se esvair a cada manh?, a cada renúncia de Seline. derramei o líquido fumegante na minha caneca favorita: uma com a estampa do BoJack Horseman e a frase rabiscada em letras miúdas "Apenas finja que está feliz e, eventualmente, você esquecerá que está fingindo.", um lembrete matinal incisivo da filosofia que, de certa forma, guiava minha própria existência. Enquanto acariciava o pelo liso e negro de Salém, cujo nome era uma homenagem silenciosa às mulheres que arderam nas fogueiras da Santa Inquisi??o, um pensamento sombrio cruzou minha mente: Será que Seline Moon seria queimada também, se o mundo visse sua verdadeira face?
No reflexo emba?ado do espelho da cozinha, percebi os últimos tra?os de Seline em meu rosto: um borr?o avermelho da sombra intensa e um fio teimoso do delineado preto marcado da noite anterior. Com um suspiro resignado, peguei um disco de algod?o e eliminei qualquer tra?o daquela ousadia noturna. Em seu lugar, apliquei a paleta nude: tons de bege, marrom claro, um espectro de ausência. A maquiagem da conformidade. A maquiagem da morte lenta.
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Subi novamente para o quarto, meu santuário roxo onde as paredes ecoavam meus segredos através dos p?steres de bandas e ilustra??es sombrias. A estante abarrotada misturava mundos: a fantasia obscura dividindo espa?o com os romances Yaoi, o ocultismo lado a lado com as figuras de Naruto e Jujutsu Kaisen. O p?ster rosa do BTS parecia um oásis de cor em meio à escurid?o. Clássicos da literatura de terror como Drácula e Frankenstein repousavam ao lado de livros de bruxaria natural e Wicca. Sobre a c?moda, as velas pretas e vermelhas aguardavam a noite, enquanto ametistas, obsidianas e cristais absorviam a pálida luz da manh?. O ar ainda carregava um leve aroma de incenso. Meu olhar percorreu o kimono azul de lantejoulas, o fedora preto, as botas cowboy vermelhas, os cintos com spikes, as roupas do final de semana jogadas no ch?o, e meu pijama da Sailor Moon sobre a cadeira. Abri as portas do meu guarda-roupa preto, um portal para o meu verdadeiro eu. A escurid?o predominava, mas meus olhos encontraram o brilho tentador do vestido prateado coberto de lantejoulas, o abra?o quente e vibrante do casaco de pelos rosa e o ousado tênis de plataforma verde metálico. Com um suspiro, peguei a legging preta rasgada, o tênis de plataforma verde metalizado e uma camiseta cinza longa como um vestido estampada com a frase ir?nica "N?o deixe para amanh? a rebeldia que você pode expressar hoje". Coloquei também minha gargantilha de couro com um pingente de cora??o, um lembrete silencioso de uma vulnerabilidade que Seline n?o tem medo de mostrar.
Olhei no espelho e Seline estava ali, radiante em sua autenticidade. Um sorriso genuíno iluminou meu rosto pela primeira vez naquela manh?. Mas ent?o, como um espectro pairando sobre meus ombros, a voz da minha m?e ecoou em minha mente: "Você n?o é mais uma adolescente. Você deve se vestir como uma mulher adulta!" A alegria de Seline vacilou, substituída por uma pontada de culpa e pela familiar press?o de me conformar. Com um suspiro pesado, tirei as roupas que me faziam sentir viva e peguei a cal?a jeans desbotada, a t-shirt branca sem gra?a e os tênis brancos que imploravam para serem esquecidos. Afinal, hoje era segunda-feira. A semana de obriga??es e conformidade havia come?ado.
Enquanto vestia a mediocridade, um pensamento ácido mordeu minha mente: cada pe?a de roupa "normal" era um prego a mais no caix?o da Seline. Antes de sair, parei em frente ao espelho gótico. Me examinei. A cal?a jeans e a camiseta branca eram a tela perfeita para a invisibilidade. Mas ali, um pequeno brilho prateado destoava: meu piercing no septo. Um último resquício teimoso de Seline. Com um rápido movimento dos dedos, o girei para dentro, tornando-o imperceptível. ótimo, nenhum resquício de Seline Moon! pensei, com uma ponta de ironia amarga. Pronta para mais uma semana normal e tediosa. Bora trabalhar!
No caminho para o metr?, peguei meus fones de ouvido e dei play em Bad Omens. A voz de Noah Sebastian invadiu meus ouvidos: "Sua maquiagem escorrendo pelo seu rosto..." Olhai meu reflexo na janela do metr?. Apenas Aline. A ausência de Seline abriu meu peito. A cinza da cidade passa como um reflexo do meu próprio desligamento.
Hoje, Aline Solano iria para o trabalho. E, para que ela sobrevivesse, Seline Moon precisaria morrer mais uma vez.