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Mercado de Informações

  O Mercado Municipal de S?o Paulo havia mudado muito desde 2025. O que antes era um centro de comércio de alimentos tinha se transformado em uma babel de tecnologia e tradi??o. Totens de autoatendimento com alta tecnologia vendiam quase tudo de comer — desde que seja base de soja — ao lado de comerciantes que ainda insistiam em vender pastéis e mortadelas de "verdade" .

  "Este lugar é perfeito para nossos propósitos," explicou Aristides enquanto entravam por uma porta lateral. "Tantos sinais eletr?nicos, tantas pessoas... impossível para o sistema identificar indivíduos específicos."

  Ronaldo observava tudo com novos olhos. Sem o constante fluxo de informa??es do sistema neural, ele precisava confiar em seus próprios sentidos. Era desorientador e libertador ao mesmo tempo.

  "Ali está," apontou Aristides para uma banca aparentemente comum de eletrodomésticos antigos. "A 'Antiguidades do Futuro'. Melhor loja de equipamentos analógicos da cidade."

  A loja era gerida por uma senhora de cabelos coloridos e múltiplos implantes cibernéticos visíveis — uma aparente contradi??o ambulante.

  "Dona Aurora!" chamou Aristides. "Temos um novato precisando de um kit básico."

  A mulher examinou Ronaldo de cima a baixo, com olhos que pareciam escanear mais do que apenas sua aparência.

  "Hmm, primeira vez offline, n?o é?" ela sorriu. "Dá para perceber pelo jeito que você fica tentando piscar para ativar comandos que n?o est?o mais lá."

  Ronaldo corou. Ela estava certa — ele ainda tentava inconscientemente checar notifica??es inexistentes.

  "Kit básico para iniciantes," anunciou Aurora, colocando sobre o balc?o uma caixa de madeira. "Caneta esferográfica, caderno de papel reciclado, bússola analógica, relógio de pulso mecanico, e o mais importante..." ela fez uma pausa dramática, "um manual de conversa??o cara a cara sem assistência de IA."

  [A experiência sugere que este item seria classificado como] "Kit de Sobrevivência Analógica"

  Raridade: Incomum

  Utilidade: Permite comunica??o e navega??o sem rastreamento

  B?nus: +10 em habilidades sociais n?o-digitais

  "Quanto custa?" perguntou Ronaldo, levantando automaticamente o pulso para escanear o código de pagamento — só ent?o se lembrando que estava offline.

  Aurora e Aristides riram.

  "Dinheiro físico, meu jovem," disse Aurora, estendendo a m?o. "Ainda lembra como é?"

  Aristides interveio: "P?e na minha conta, Aurora. Este aqui está em miss?o especial para Helena."

  Ao ouvir o nome, a express?o de Aurora mudou.

  "O pen-drive está com você?" perguntou em voz baixa.

  Ronaldo assentiu.

  "Ent?o n?o temos muito tempo. O contato estará na bancada de especiarias do Seu Jeremias em..." ela consultou seu relógio de pulso mecanico, "exatamente 27 minutos. A senha: o papel aceita tudo, a tela aceita o programado" completou Ronaldo.

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  "Bom garoto," sorriu Aurora. "Mais uma coisa: você vai precisar de um nome offline. O sistema pode n?o estar na sua cabe?a agora, mas as cameras de reconhecimento facial est?o por toda parte."

  Ela abriu uma gaveta e tirou algo que parecia saído de um filme antigo: óculos escuros comuns.

  "Anti-reconhecimento facial. Tecnologia simples, mas eficaz. E uma boina para complementar o disfarce."

  Ronaldo colocou os óculos e a boina, observando seu reflexo em um espelho próximo.

  "Pare?o um artista de cinema dos anos 2010," reclamou.

  "Exatamente o que queremos: alguém que parece estar tentando chamar aten??o, quando, na verdade está tentando passar despercebido," explicou Aurora. "Agora, seu nome offline será..."

  "Bitgado," disse Ronaldo impulsivamente. "Meu nome offline é Bitgado."

  Aristides ergueu uma sobrancelha. "Bitgado? Sério?"

  "é uma combina??o de 'bit' com 'desligado'," explicou Ronaldo. "Além disso, soa como 'bicho gado', o que deve confundir ainda mais os algoritmos de busca."

  Aurora assentiu. "O garoto aprende rápido. Bitgado será ent?o."

  Com seu novo disfarce e identidade, Ronaldo — agora Bitgado — despediu-se de Aristides, que precisava voltar para verificar outros membros da resistência após a batida policial.

  "Lembre-se," disse o velho antes de partir, "confie em seus instintos, n?o no que foi programado em você."

  Aurora o guiou pelos corredores do mercado até ficarem a uma distancia segura da bancada de especiarias.

  "Aquele ali, de avental vermelho, é Jeremias," indicou discretamente. "O contato estará fingindo examinar as pimentas. Você vai até lá, pede meio quilo de pimenta-do-reino, dá a senha, e entrega o pen-drive. Simples assim."

  "E depois?"

  "Depois você recebe suas instru??es e segue o próximo passo da resistência," disse Aurora. "Ou desiste de tudo, reativa seu chip, e volta para sua vida gamificada. A escolha é sua."

  No fundo, Ronaldo sabia que n?o havia escolha real. Sua curiosidade estava completamente ati?ada. Que segredo t?o importante poderia estar naquele pen-drive antiquado?

  "Vou indo ent?o," disse ele, ajustando os óculos e a boina.

  "Boa sorte, Bitgado," sorriu Aurora. "Bem-vindo à verdadeira democracia."

  Enquanto caminhava em dire??o à banca de especiarias, Ronaldo notou como era estranho andar sem as indica??es de dire??o flutuantes, sem publicidade personalizada invadindo sua vis?o, sem o constante zumbido de informa??es.

  Era puro. Era aterrorizante. Era real.

  Dirigiu-se com confian?a fingida até a banca de especiarias.

  "Meio quilo de pimenta-do-reino, por favor," pediu ele a Seu Jeremias.

  Enquanto o vendedor pesava as especiarias, um homem usando um chapéu de palha se aproximou, fingindo examinar as pimentas expostas.

  "Parece que vai chover hoje," comentou o estranho casualmente.

  Ronaldo hesitou por um segundo antes de lembrar que essa n?o era a senha.

  "O papel aceita tudo, a tela aceita o programado," respondeu em voz baixa.

  O homem nem olhou para ele, apenas murmurou: "Bolso esquerdo, troca pelo cart?o de visitas."

  Com um movimento fluido que surpreendeu até a si mesmo, Ronaldo pegou o pen-drive do bolso enquanto aceitava um cart?o de visitas do estranho, fazendo a troca sem que ninguém percebesse.

  "Restaurante Velho Zé, 20h. Pergunte pelo cardápio especial," sussurrou o homem antes de se afastar, desaparecendo na multid?o.

  Ronaldo guardou o cart?o no bolso, pagou pelas especiarias e saiu calmamente da banca. Sentia o cora??o acelerado. Aquilo era mais emocionante que qualquer jogo em que havia participado.

  Só quando estava a uma distancia segura, ele examinou o cart?o:

  JOAQUIM SILVEIRA CONSULTOR EM SEGURAN?A DESDIGITAL "Sua privacidade n?o é jogo"

  No verso, escrito à m?o, havia uma mensagem:

  "Bitgado (sim, já sabemos seu nome offline) — O Brasil precisa de jogadores como você. Venha jantar no endere?o abaixo às 20h. Conheceremos o verdadeiro chefe do jogo."

  Seguia-se um endere?o em um bairro que Ronaldo reconheceu como sendo o reduto da antiga elite política do país.

  Olhando para seu novo relógio analógico, viu que tinha 6 horas até o encontro. Seis horas sem sua assistente de AI , sem mapas digitais no visor e sem recomenda??es de rotas feita por algoritmos a cidade pareceu maior e menos amigável. Agora estava por conta própria em um mundo para o qual n?o estava preparado.

  E, pela primeira vez em muito tempo, sorriu com a ideia de enfrentar o desconhecido.

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