Ele se lembrou, como um estilha?o de vidro rompendo o silêncio, do riso agudo de sua irm? Líara enquanto colhia flores no quintal. Num lampejo subsequente, enfiou a m?o entre os destro?os e agarrou um brinquedo partido — uma pequena carruagem de bronze que Líara carregava desde a infancia. Seus dedos tocaram o metal frio, deformado pela for?a invisível que arrasou tudo. Ao redor, p?de ouvir um zumbido baixo, um eco grave que ressoava com cada batida de seu cora??o.
Enquanto caminhava entre as ruínas, flashes de memória o assaltavam sem aviso:
— Arien, segura forte!
A voz de seu pai, firme e protetora, quando o menino pendurou-se demais no galho da figueira centenária.
— Promete que vai voltar rápido?
A pergunta doce de sua m?e, os olhos úmidos, quando ele partiu para o mercado na alvorada.
— N?o importa o que aconte?a, lembra do nosso juramento.
O sorriso de sua irm?, circulando-o num abra?o t?o apertado que quase o sufocava.
O presente, porém, era um vazio. Cada memória pulsava como um ferimento vivo, ecoando a mesma pergunta: por que? No solo, encontrou marcas de pegadas profundas, vestígio de botas pesadas que recuaram em dire??o à saída do vilarejo. Mas n?o havia indícios de batalha: nenhum corpo, nenhuma arma quebrada. Parecia que tudo e todos foram consumidos por um fogo paradoxal — um fogo sem chamas, sem calor, sem som.
Entre os escombros do po?o da vila, Arien avistou algo surpreendente: uma pedra negra, lisa como mármore, porém viva — pulsando num ritmo tênue que lembrava um cora??o batendo. Ele lembrou-se do serm?o do velhote Khron, o eremita que vivia na colina:
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“A Chama Estática n?o queima, Arien. Ela consome o que é vivo sem nada dispor. Quem controla esse fogo detém o poder de roubar almas.”
Arien ergueu a pedra e sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha. Era a prova do poder que aniquilara Mahran. Fechou o punho, apertando o fragmento obscuro, como se ali estivesse a chave de sua vingan?a.
De repente, um som quase inaudível chegou aos seus ouvidos: o tilintar de um sininho de prata, idêntico ao que sua irm? usava pendurado no vestido. Arien parou, o pulso martelando. Sentiu um choque de esperan?a — e logo depois, a dor de saber que n?o mais ouviria aquele som em nenhum abra?o.
Agachou-se diante do que restou da antiga taverna Varoth. No ch?o, manchas de sangue secas se misturavam à fuligem. Aproximou o rosto e tragou o ar carregado de ferro e pó. Um cheiro de pólvora antiga? N?o: parecia o resíduo de uma magia absurda, que n?o seguia as regras dos elementos. Era a assinatura de Kael’Zyth, profetizada como a tocha do deserto que devoraria tudo com fogo sem chama.
Abriu os olhos, o olhar agora firme como a?o temperado. Lembrou-se da promessa feita à irm? moribunda, há apenas alguns instantes:
“Eu vou encontrar quem fez isto. Vou fazer com que paguem por cada gota de sangue e por cada sorriso que calaram.”
Arien ergueu-se. Metade do vilarejo já ficava para trás, mas ele n?o olhou para trás. Colocou a lan?a esburacada nas costas e afivelou a aljava. No cinto, guardou o fragmento de pedra negra dentro de uma bolsa de couro — o símbolo de sua maldi??o e de sua miss?o.
Antes de partir, ergueu o rosto para o sol, agora mais alto no céu, e murmurou em voz alta:
“N?o é só vingan?a que busco. é conhecer o fogo que nunca queima… e descobrir o meu próprio fogo interior.”
Sem esperar resposta, caminhou para o Norte, onde o deserto de Kael’Zyth o aguardava. A trilha de areia negra se estendia como um tapete sombrio, desenrolando segredos antigos de areia e magia. No cora??o daquele mar de sombras, ele encontraria o eremita Khron, o portador do segredo da Chama Estática — e, quem sabe, a primeira pista sobre a verdade de sua própria origem.
Enquanto seus passos ecoavam no silêncio das ruínas, o fragmento em sua bolsa pulsava mais forte, como se fosse um segundo cora??o, marcando o início de uma jornada cujas chamas n?o se apagariam até a última página.