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Capítulo 209 - Luz, Sangue, Câmera, Ação

  — ?Seguro que este muchacho está bien?

  O clima estava tenso. Mas Catarina, n?o.

  Seus dedos percorreram a bochecha carmesim de Alex com um toque que lembrava quem experimenta o calor de uma panela que acabou de sair do fogo — ciente do risco, mas curiosa demais para se importar.

  A cada encostada, Alex travava mais a mandíbula. As veias negras que serpenteavam por seu corpo reagiam como se tivessem vontade própria, pulsantes, oscilando entre luz e sombra conforme a irrita??o crescia. Era como ver um desenho animado prestes a criar vida só para partir alguém no meio.

  — Já disse que sim, t? bem. — O tom era ríspido, cortante, o tom de alguém que quer claramente encerrar o assunto. Se tivesse um pouco menos de autocontrole, já teria esmagado a m?o da mulher contra seu rosto.

  Catarina, no entanto, parecia estar exatamente onde queria: no centro do inc?modo alheio. Ou n?o se importava. Ou talvez estivesse apenas entediada. Ambas as op??es pareciam válidas.

  A dona de taverna aparentava pouco mais de trinta e cinco anos. Sua pele, bronzeada pelo Sol do caribe, combinava bem com seus longos cabelos negros presos por três estranhos aros. E os dentes... os dentes brilhavam com rubis, esmeraldas e safiras cravadas onde antes, presumivelmente, havia esmalte. Um sorriso que carregava mais peso do que a armadura de Alex, além de uma apropria??o cultural nada sutil dos antigos maias que um dia viveram n?o muito longe dali.

  E como era irritante aquele sorriso... mas Alex precisava aguentar. As negocia??es mal tinham come?ado.

  Quando chegaram, já sabendo de sua vinda, Catarina os recebera com os bra?os abertos, rindo o mais alto que podia. Um brinde, dois tapas nas costas, e o clássico “?Finalmente chegaram!” dito com empolga??o suspeita. A mulher estava sozinha, sentada ao balc?o com uma garrafa pela metade e um banquinho extra ao lado — o qual estranhamente n?o deixou ninguém realmente sentar.

  Logo depois do entusiasmo teatral, veio o olhar repleto de uma frieza de quem avalia o estado de uma mercadoria antes de comprar. Foi o bastante para rebaixar toda a recep??o a um teatro de segunda. Ainda assim, era o que tinham.

  E agora, após um cumprimento disperso, aqui estavam.

  — Deixa ele em paz, o Alex tá meio sem paciência esses dias — murmurou Ana, girando a caneca entre os dedos como se esperasse que o líquido ganhasse sabor com o tempo. Era uma bebida amarela, morna, aguada. N?o chegava a ser ouro, nem em cor, nem em gosto. Uma zombaria líquida da palavra “cerveja”. Mas n?o era o tipo de lugar onde alguém tinha o luxo de reclamar da bebida.

  — ?No puedo, chica! — a taverneira local riu, e sua risada parecia presa ao próprio rosto, fundida naquele sorriso largo, quase predatório. Havia algo de tempestade no jeito como ela falava, como se as palavras se movessem ao sabor do vento. Os brincos tilintavam com a luz instável da lamparina, e seu olhar tinha a empolga??o inconveniente de quem já viu o mundo acabar umas três vezes e ainda achou gra?a. — No vienen muchos corrompidos por aquí, sabes? Es tan… diferente.

  A frase terminou com uma gargalhada alta demais para o espa?o, seguida de um gesto casual — levou o dedo queimado à boca e mordeu de leve, saboreando a ardência como quem testa um tipo novo de tempero. Depois, virou-se para Madame, que observava a cena com um brilho divertido no olhar, os dedos tamborilando sobre a madeira com sua habitual paciência.

  — Vieja, essa tripula??o tua tá cada vez mais rara, ?eh? — disse Catarina. — N?o é essa aí la reina mercenária que já foi declarada muerta unas três vezes nos relatórios anuais?

  A língua da Dama de ferro navegava em uma embarca??o própria, dan?ando entre o português bruto, mastigado, e um crioulo caribenho costurado de sal e sarcasmo. As palavras vinham cuspidas e cantadas ao mesmo tempo, um idioma nascido da necessidade e lapidado por décadas de gente que n?o tinha tempo para florear.

  Madame sorriu, breve. Moveu o cigarro que ganhara de presente de um lado para o outro, ponderando se valia a pena acendê-lo.

  — Só duas vezes. N?o aumenta a história, mulher.

  — Y en el fin, viva está! — ergueu a caneca e engoliu um gole largo. A espuma escorreu e ela a limpou com a manga puída do casaco vermelho sem a menor cerim?nia. Os olhos pousaram em Ana, e percorreram cada detalhe como se estivesse lendo um livro gasto pelo tempo. N?o ofensivo, mas também n?o muito educado. — Tienes belas histórias, chica.

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  Catarina enfatizou o “garota” com um tom que misturava respeito calculado e escárnio amistoso, como se ainda n?o tivesse decidido qual dos dois era mais apropriado. Ent?o, apontou para os próprios dentes de pedras preciosas.

  — Pero esto? Esto es pura basura pra mim. N?o tem oro no mundo que pague mis aviones nessa época do ano.

  Ana continuou girando a caneca com a paciência de quem sabe que a pressa só apressa o fracasso. O gesto era quase meditativo. O líquido tra?ava círculos lentos, como se tentasse fugir do próprio gosto. Claro que dinheiro n?o era o suficiente. Um pouco de conversa bastou para entender que havia muita riqueza em meio a decadência superficial.

  Mare Euphoria era movida a vontades, n?o a cifras. Cada acordo selado naquela ilha flutuante exigia uma moeda diferente — influência, segredos, favores, vingan?as guardadas há tempo demais. Era um mercado onde o troco vinha em promessas riscadas com faca na madeira.

  Cada um queria algo, ent?o precisava oferecer a moeda certa.

  — Posso pagar de outra forma, já te disse. — A nova capit? voadora pousou a caneca na mesa com um tilintar surdo e inclinou a cabe?a, cruzando os bra?os. — Lá fora tá tudo desmoronando. Eu posso fazer seus avi?es durarem mais umas décadas. Tudo que eu preciso em troca é da sua milícia.

  A taverneira arqueou uma sobrancelha. Um gesto pequeno, mas cheio de camadas. Havia interesse, sim. Mas escondido sob uma grossa camada de tédio cultivado com zelo. Virou mais um gole, se levantou do balc?o e se jogou na poltrona atrás de si — um trono que um dia já foi luxuoso, mas que agora só se segurava pelo que restava de sua dignidade.

  — Co?o, nisso a gente se vira — respondeu, largando as palavras como quem joga ossos velhos ao ch?o. — Hoy en día, só duas coisas me fazem feliz, sabes? Una buena briga... y bebida o bastante pra esquecer las que perdi yo.

  O riso que escapou foi curto. Ana percebeu que, apesar da recusa, Catarina n?o havia dito “n?o”. Havia uma abertura, e a resposta do que era n?o demorou a se mostrar.

  Sem aviso, a mulher pescou algo do bolso interno do casaco e jogou para ela. Ana agarrou no reflexo, sentindo o peso pequeno, mas sólido, pousar em sua m?o.

  Uma camera.

  Antiga, mas viva. As bordas arranhadas revelavam uma idade respeitável, mas as runas denunciavam uma curiosa fus?o que sussurrava o poder da mana. Era uma daquelas pe?as híbridas, nascidas no fim de uma era e que insistiam em continuar funcionando só por teimosia.

  — Si quieres mi ejército, me trae lo mejor del festival. — A voz de Catarina escorreu pela madeira da mesa como um óleo quente. Ela se inclinou um pouco mais, até que a luz da lamparina destacasse o brilho voraz nos olhos. Um brilho que só persistia em duas categorias de pessoas: loucos genuínos ou aqueles t?o livres que já n?o tinham nada a perder. — Filme la cabeza cortada de los Hijos de la Ballena.

  Ana olhou para a camera, deixando os dedos percorrerem lentamente sua carca?a metálica. Depois, ergueu o olhar novamente para o rosto selvagem que a encarava.

  Teve que conter o riso. De verdade.

  Um riso daqueles que nasce no est?mago, sobe com gosto e amea?a sair pelas narinas se n?o for controlado a tempo. Mas ela segurou. Porque rir naquela hora estragaria tudo. E ela queria aproveitar ao máximo aquela situa??o.

  Era exatamente para isso que precisava de soldados, n?o era?

  O pedido de Catarina, disfar?ado de desafio, era um presente embrulhado com grosseria. E Ana sabia reconhecer uma dádiva do destino quando ela aparecia mascarada de miss?o suicida.

  N?o demonstrou. Nem agradeceu. Mas por dentro, sentiu, finalmente, a sorte lhe acenar.

  Desde que n?o revelasse o quanto aquilo lhe agradava, sairia com mais do que soldados. Sairia com crédito. Favores. E, talvez, algo ainda mais valioso em tempos como aqueles: o respeito relutante de alguém que nunca respeitava ninguém.

  Madame observava da outra ponta da mesa. No fim, a velha leitora acendeu o cigarro. N?o se metia onde n?o era chamada, mas também n?o se agradava de ver essa incessante briga entre velhos companheiros.

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  Ficaremos sem imagens por um tempo, mas logo volto a postar!

  Estou meio sem tempo e n?o est?o saindo resultados bons...

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