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Capítulo 2: Os primeiros movimentos.

  Na central de inteligência da polícia, o ar do compartimento reservado estava carregado de tens?o. As paredes, revestidas com isolamento acústico, abafavam até as respira??es. Um jovem analista de TI, visivelmente nervoso, olhava para a comandante geral da polícia, Rita.

  — Você tem certeza que quer seguir com isso, chefe? Grampear mensagens de texto por palavras-chave... isso é insano. Se descobrirem...

  Antes que ele terminasse, o outro policial presente bateu a palma da m?o sobre a mesa.

  — Ent?o que ninguém descubra. Simples assim.

  — Lector. — Rita falou em tom firme. — Menos.

  Lector abaixou os olhos, visivelmente constrangido. Após um breve silêncio, murmurou:

  — Desculpe, chefe.

  O celular tocou. Rita olhou para o visor, franziu levemente a testa e saiu da sala sem dizer uma palavra. Atendeu do lado de fora, com a postura ereta.

  — Diga, príncipe.

  A voz de Raymond era clara, precisa e com o tom baixo de quem está acostumado a dar ordens.

  — Quero alguém de confian?a no Royal Café esta noite. Sem margem para erros.

  Rita permaneceu imóvel por um instante, como se calculasse a noite inteira em silêncio.

  — Vou pessoalmente. Os grampos já est?o sendo executados, como ordenado.

  Houve uma pausa.

  — Cancele os grampos. Os outros já est?o se movendo. Vamos trabalhar na for?a-tarefa de vigilancia.

  — Sim, senhor. — Rita respondeu sem hesitar.

  Raymond se despediu com brevidade e desligou. Rita voltou à sala.

  — Cancelem tudo. Agora.

  Lector franziu o cenho. O analista olhou confuso.

  — Mas...

  — Ordens de cima. — respondeu apenas, e apressou Lector com um gesto. — Anda, temos muito o que fazer.

  Ao sair da central de inteligência, Rita acendeu um cigarro enquanto caminhava para o carro. Lector, ao lado, perguntou:

  — Posso saber o motivo da mudan?a?

  Rita tragou lentamente antes de responder:

  — é o tipo de coisa que uma carta selvagem n?o precisa saber.

  -

  Era por volta de 12h30 quando um Rolls-Royce preto, polido como um espelho, cruzava uma das poucas avenidas arborizadas de Crownia. No banco de trás, uma mulher elegantemente vestida observava a cidade pelas janelas fumê. Ela exalava um charme frio e absoluto. Tinha os cabelos castanho-prateados presos em um coque baixo e, sob os óculos escuros, os olhos azuis brilhavam com uma intensidade contida. Seu vestido era escuro, justo, de corte clássico com uma fenda discreta — sutilmente provocante.

  O motorista, um homem belo e silencioso em terno sob medida, conduzia com precis?o. Tinha fei??es refinadas, como esculpidas em mármore, olhos escuros e tranquilos, e um ar de conten??o que mais insinuava do que revelava sua verdadeira natureza. Ao entrarem na garagem subterranea de um edifício, um manobrista correu para abrir a porta. Ele estendeu a m?o para a mulher, que desceu com leveza. Enquanto isso, o motorista consultava algo em seu celular.

  — Devo esperá-la no carro, senhorita? — perguntou ele, ainda sem tirar os olhos da tela.

  — Suba comigo. — disse, sem sequer desviar o olhar.

  No elevador, ela olhou brevemente para a camera, depois para ele. Os olhos se encontraram por um instante, silenciosos, mas carregados de significado. Ao chegarem ao último andar, um gar?om os aguardava à porta de um restaurante francês.

  — Senhorita Maria. — disse o gar?om, fazendo um gesto cortês. — Sua mesa está pronta.

  Ela assentiu. Sentaram-se. Maria cruzou as pernas, observou o ambiente com leveza e ent?o se dirigiu ao gar?om:

  — Um tartare de entrada para nós dois. E... sugest?es de vinho?

  O gar?om sorriu com discri??o.

  — Temos um Pinot Noir chileno muito leve e elegante, ideal para o prato. Ou, se preferirem algo mais encorpado, um Syrah francês.

  Maria inclinou levemente a cabe?a, ponderando.

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  — O chileno. Leve, como convém — disse, antes de devolver o cardápio.

  Quando ficaram a sós, ela retirou os óculos escuros, pousou os cotovelos na mesa e apoiou a cabe?a nas m?os, fitando o homem à sua frente.

  — Ent?o Marcel, eles já abriram a boca?

  Marcel recostou-se levemente na cadeira, a voz tranquila:

  — Hoje cedo, o valete de paus e o rei de espadas entraram em contato por telefone. Nossa ratinha conseguiu um local.

  O rosto de Maria se iluminou, quase como o de uma crian?a.

  — Perfeito. A divers?o vai come?ar.

  -

  Gaspar olhou o relógio: 16h em ponto. Preciso, como sempre. Caminhava pelos jardins do resort que mantinha na costa sul de Crownia, devolvendo cumprimentos com um leve sorriso aos funcionários que o saudavam com deferência.

  Ao chegar ao acesso de servi?o, foi recepcionado por um homem alto, negro, de ombros largos e express?o séria. Vestia um terno escuro perfeitamente ajustado.

  — Chefe. — disse o homem.

  — Dante. — respondeu Gaspar, com a mesma cordialidade.

  Dante abriu a porta lateral que dava acesso aos fundos do hotel. Ao longe, algumas camareiras fumavam discretamente, mas jogaram os cigarros no ch?o ao avistarem o magnata. Gaspar ergueu uma das m?os com um gesto calmo e sorriu com a educa??o típica de um anfitri?o experiente.

  — N?o precisam se incomodar, senhoras. Continuem com o descanso.

  As camareiras trocaram olhares entre si e agradeceram, um tanto envergonhadas, antes de se afastarem com discri??o.

  Chegando ao elevador de servi?o, Dante pressionou o bot?o com calma, sem dizer uma palavra. Quando a porta se abriu, ambos entraram. A subida foi silenciosa. Apenas o som suave da máquina preenchia o espa?o entre os dois, que permaneciam lado a lado com a tranquilidade de quem já compartilhou longas rotinas.

  Ao chegarem à cobertura, o corredor era estreito e mal iluminado, com piso metálico e cheiro de maresia. Antenas, tubula??es e sistemas de exaust?o ocupavam grande parte do terra?o, criando um labirinto industrial acima do paraíso do resort. No canto mais afastado, havia uma pequena sala de metal refor?ado com tranca eletr?nica e janelas espelhadas.

  Dante digitou a senha e abriu a porta. Lá dentro, outro homem os esperava. Estava de pé, as mangas arrega?adas e os punhos sujos de sangue.

  — Sérvulo. — disse Gaspar, entrando sem pressa.

  — Chefe. — respondeu o homem, com um aceno de cabe?a mantendo um sorriso sinistro.

  No centro da sala, um terceiro homem estava amarrado a uma cadeira, inconsciente.

  — Como está a busca? — perguntou Gaspar.

  Sérvulo n?o respondeu. Apenas pegou um balde de água e jogou sobre o prisioneiro. O homem abriu os olhos com um gemido e come?ou a se debater, os ombros tremendo sob as amarras.

  Gaspar se aproximou devagar, as m?os cruzadas nas costas, o andar firme e controlado, como se cada passo fosse parte de um ritual. Seu olhar nunca deixava o rosto do prisioneiro.

  — Você é um motorista muito desastrado para deixar algo t?o importante se perder.

  O homem come?ou a chorar, trêmulo.

  — Eu... eu sinto muito, senhor. N?o sei o que aconteceu. Quando passamos pelo túnel, uma mulher apareceu do nada no banco de trás. Ouvi metal, senti cheiro de sangue. Ela mandou eu continuar. Obedeci. Quando saímos, olhei pelo retrovisor... os dois estavam mortos. E o presente tinha sumido. Juro. N?o vi nada. N?o fiz nada.

  Gaspar manteve o olhar calmo sobre ele.

  — Descreva a mulher.

  — Eu n?o vi direito. Mas acho que ela tinha cabelo preto, curto... só isso, eu juro.

  Gaspar assentiu com a cabe?a, se aproximou mais e inclinou levemente o tronco, como se quisesse tranquilizá-lo. Passou a m?o devagar pelos cabelos do homem, num gesto quase afetuoso, como quem conforta uma crian?a assustada.

  — Obrigado pela informa??o.

  Por um breve segundo, o silêncio pesou na sala. Gaspar apenas sorriu. Com um gesto suave e implacável, quebrou-lhe o pesco?o. Sem alterar a respira??o.

  — Essa ladra matou meu sete... e roubou o presente da minha filha.

  Virou-se para Sérvulo:

  — Fale com o pessoal da fac??o de espadas. Quero as imagens das cameras do túnel. Encontrem a nossa gatuna.

  Sérvulo assentiu com a naturalidade de quem já testemunhou aquilo antes. Dante permaneceu imóvel, como se aquilo n?o fosse a primeira vez.

  — E quanto ao novo rei de paus?

  Gaspar caminhou até a janela com passos lentos, parando diante do vidro espelhado que refletia a luz dourada do entardecer. Cruzou os bra?os e inspirou fundo, observando o contorno das ondas quebrando contra a costa, como se pesasse mentalmente seus próximos movimentos.

  — Raymond vai tentar manter todos longe. E Maria... vai correr atrás com unhas e dentes. Mas, por agora, encontrar a ladra é mais importante. Tudo o resto pode esperar.

  Por fim, ele se virou para Dante, os olhos já livres da contempla??o e cheios de propósito:

  — Compre outro colar para minha filha.

  Dante já alcan?ava o celular quando assentiu em silêncio.

  -

  Já passava das 21h quando Sebastian emergiu da esta??o de metr?, vestindo uma camisa social clara e cal?a de linho escura. O ar da noite estava úmido, e as luzes da cidade vibravam em tons de néon refletidos nos vidros dos prédios, nos carros e nas po?as que marcavam as cal?adas. Ele caminhava com passo firme, mas contido, como quem estava atento ao próprio entorno sem demonstrar pressa. No meio da multid?o apressada, uma silhueta familiar coberta por um capuz passou por ele em dire??o contrária. Era Mirio. O capuz ocultava parte de seu rosto, mas Sebastian reconheceu o caminhar inconfundível. N?o trocaram palavras, apenas se cruzaram como sombras em dire??es opostas — uma cumplicidade silenciosa.

  Em frente ao café, uma mulher de cabelos loiros e pele levemente bronzeada aguardava com postura firme. Era Rita. Sebastian se aproximou e a cumprimentou com um sorriso breve e um toque cordial no ombro.

  — Perd?o pela demora. — disse Sebastian, ajeitando as mangas discretamente antes de estender a m?o.

  Rita aceitou o cumprimento com um leve sorriso, firme e breve.

  — Acabei de chegar. — disse ela, ajeitando o colarinho da jaqueta com um gesto tranquilo. Seus olhos o analisaram de cima a baixo, avaliando n?o apenas a pontualidade, mas o humor.

  Entraram juntos. O ambiente acolhedor do Royal Café era preenchido por música suave, cheiro de gr?os moídos e o som abafado de conversas. Um atendente os levou rapidamente a uma mesa.

  Logo depois, uma jovem gar?onete se apresentou:

  — Boa noite. Meu nome é Camila. O que desejam?

  — Um crepe, por favor. — pediu Rita.

  — Um espresso. — disse Sebastian.

  Rita arqueou uma sobrancelha.

  — Café a essa hora? — perguntou Rita, com um leve levantar de sobrancelha e meio sorriso nos lábios.

  — Hábito — respondeu Sebastian, encostando-se à cadeira, a voz baixa e sem pressa. — Velho demais para mudar agora.

  O tom entre os dois era direto.

  — O objetivo do príncipe é claro: manter a identidade do novo rei longe das outras fac??es, a qualquer custo. — disse Rita, em voz mais baixa, inclinando-se ligeiramente sobre a mesa. — E ele gostaria de contar com a sua ajuda para isso.

  — Por que esperar a fac??o ruir? — perguntou Sebastian, inclinando-se um pouco à frente. Ele já sabia a resposta, mas queria ouvir da boca dela.

  Rita percebeu a provoca??o e respondeu com calma:

  — Ele quer a cidade estável. Cartas selvagens já causam trabalho demais. N?o precisamos de guerra entre dois baralhos.

  Sebastian ponderou por um instante.

  — Talvez alguém já saiba. Que tipo de garantia Raymond está disposto a oferecer?

  — Sabemos que dinheiro n?o te compra.

  Ele assentiu, sem tirar os olhos da xícara vazia à sua frente.

  Camila retornou com os pedidos equilibrados em uma bandeja elegante, sorrindo com gentileza. Colocou os pratos com cuidado e se desculpou pela demora com um aceno educado. Eles agradeceram, interrompendo a conversa por um momento. Rita comeu lentamente. Sebastian tomou seu espresso em pequenos goles, como se absorvesse mais do que cafeína.

  Quando terminaram:

  — O príncipe vai garantir a seguran?a do novo rei de paus. — disse Rita. — E também quer garantir que as cartas que n?o desejam participar do jogo permane?am fora dele.

  — Agrade?o. — respondeu Sebastian, sinalizando por conta.

  — Deixe comigo. — disse Rita, puxando a carteira. — é o mínimo.

  Na saída, uma jovem loira de óculos redondos passou por eles na entrada.

  Já na cal?ada:

  — Como pretende informar a identidade? — perguntou Rita.

  Sebastian retirou um ma?o de cigarros do bolso interno.

  — Se importa?

  — Fique à vontade.

  Ele ofereceu um cigarro, que ela aceitou com um gesto leve. Acenderam juntos e ficaram em silêncio por alguns segundos.

  Camila, a gar?onete que os atendeu saiu da cafeteria, agora em roupas casuais, com a garota loira ao lado. As duas conversavam em voz baixa e riam com naturalidade. Passaram pelos dois, com risos abafados, a caminho do beco gastron?mico.

  Sebastian acompanhou a loira com os olhos, sem virar o rosto. Os dedos tamborilavam levemente sobre o ma?o de cigarros. Quando as duas dobraram a esquina, ele voltou o olhar para frente.

  Rita deu uma tragada funda.

  — Obrigada pela informa??o. — disse, apagando o cigarro ainda aceso contra a parede, com um gesto contido. — Boa noite, Sebastian.

  — Boa noite.

  Ela se afastou. Sebastian ficou mais um tempo ali, fumando.

  Dentro do café, um casal de jovens ria baixinho, trocando olhares cúmplices e cutucadas leves sob a mesa. O rapaz ofereceu um gole do milk-shake para a garota, que fingiu recusar antes de aceitar com um sorriso exagerado. Ela passou o dedo no chantilly do copo dele e colocou na ponta do nariz, arrancando uma risada abafada dos dois. Depois, com um toque no ombro dele e um beijo rápido na bochecha, a garota se levantou e foi até o banheiro.

  Lá, retocou a maquiagem com movimentos automáticos, já habituados ao espelho iluminado. Passou um gloss nos lábios e ajeitou o cabelo para um dos lados, como se testasse angulos. Fez um biquinho para o espelho, depois sorriu com os olhos semicerrados e tirou uma selfie com o celular. Após revisar a foto com aten??o, digitou uma mensagem com dedos ágeis e express?o determinada. O som seco do envio pareceu ecoar no silêncio do banheiro, como o disparo de uma arma silenciosa.

  Para: minha rainha

  Mensagem: “Achei :D”

  Sérvulo.

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