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A MORTE DE NEGRUMO

  Eu estava lá, e n?o fui eu quem criou a tempestade. Que o acusador assuma sua responsabilidade.

  I

  Sênior ficou parado, observando o pulsar escuro que se denunciava para dentro da planície. Havia uma densidade pesada e negra na ampla planície do sul. Era uma larga planície, tendo ao norte o largo mar, a leste e a oeste um rio sinuoso e, ao sul, duas cadeias extensas de montes, todas parecendo queimadas e arruinadas. No centro da planície identificou uma imensa e extensa cadeia de montanhas serrilhadas, que ali se postava como se fosse uma ilha.

  Aquele já fora um belo lugar, pois já o conhecia há longo tempo. As planícies eram vastas e verdes e, no pé das montanhas centrais, onde antes ficava um castelo branco de onde um rei amado e benevolente, chamado de o rei do norte, governara as terras, agora só havia um castelo enegrecido cercado por um pantano que parecia feito apenas de escurid?o.

  - Está tudo destruído – gemeu Castiel, provavelmente se lembrando das vezes sem conta em que foram recebidos pelo grande rei branco. - Está tudo queimado, e n?o sinto mais a presen?a do rei ou de qualquer outro que aqui vivia. Só há essas sombras e essas águas podres que circundam as montanhas. Os caminhos alegres se foram, corroídos pelas sombras e pelas dores – sofreu.

  - A alma negra tocou esse lugar – suspirou Uriel com os olhos pesarosos.

  - N?o devemos dar tempo para nossa dor – Sênior falou, desviando a dor de sua alma, ruflando pesadamente as asas na dire??o da planície, onde sabia que estavam sendo esperados.

  Sentindo a energia tornando-se mais pesada eles pararam e desceram no ch?o queimado e arruinado, atentos aos lados do brejal e do castelo.

  - Sei o quanto eram próximos – Beliel falou, os olhos fixos à frente, no comando dos dranians. – Mas, espero que aqui esse assunto seja resolvido de vez, diferente de como foi com Lúcifer.

  - Lúcifer n?o é um assunto n?o resolvido, meu amigo, como esse assunto aqui também n?o deixará de ser resolvido. Veja o tempo e saberá. O tempo n?o é imutável como agora lhe parece – falou.

  Como em resposta viram sair pelas portas e janelas alguns poucos dem?nios que, apesar das formas destruídas, os ganedrais reconheceram na maioria.

  Sênior prestou aten??o nos lados das montanhas, vendo sair de seus buracos e cavernas outros poucos, fazendo com os outros uma meia lua à frente deles. Ent?o uma onda fina veio se adiantando pelo meio, logo se alargando em dobro atrás de quem avan?ava, como uma passagem que convidava a entrarem naqueles reinos.

  O arauto parou na linha dos dem?nios, fazendo-lhes frente.

  - Meu senhor, Negrumo se diz feliz pela vinda de vocês, irm?os que se tornam novamente, e vocês outros anjos – falou, fazendo men??o aos dranians que os acompanhavam. - Ele os convida à sua presen?a – falou se virando com um aut?mato e retornando pelo caminho pelo qual viera, passando pelo largo corredor agora mantido aberto.

  Assim que entraram no castelo, nada mais era como antes. Estava tudo destruído e arruinado na energia que um dia vibrou. Pelas paredes e ch?o era fácil ver agonia e maldi??es. Tudo estava carcomido e queimado, tal como as terras ao redor do castelo.

  Sênior sentiu um peso enorme no cora??o, que manteve oculto, os olhos fixos no dem?nio disforme que se apresentava, sentado em um trono queimado e enegrecido.

  Ele estava sentado, as pernas abertas, o corpo jogado sobre o trono, a postura satisfeita e cheia de poses fingindo ser alguém de poder.

  Ele tinha o dobro do tamanho dos outros dem?nios, o corpo todo feito de um couro avermelhado e disforme, as asas escuras fechadas às costas, com uma garra amea?adora, longas e curvas nas dobras.

  Ele vestia uma armadura parcial, feita de placas de ossos de algum animal e por placas de metal, um pouco mais elaborada que as que seus comandados envergavam.

  - Negrumo... – cumprimentou, a entona??o tranquila e um pouco indiferente, parando à frente do trono, as m?os cruzadas à frente do corpo, tal como os outros ganedrais e dranians. Beliel, a postura tranquila e silenciosa estava ao seu lado, sua aten??o por toda a volta.

  - Sênior e irm?os velhos – respondeu o outro, os olhos vermelhos observando-os com avidez e uma alegria estranha. - Vocês vieram, ent?o. Que bom que nos reconhecem...

  Sênior passeou os olhos pelas paredes e teto, pelo ch?o e pelas janelas e seteiras.

  - N?o gostou da decora??o e da energia de antes?

  - Aqui era muito chato – sorriu. – Tal como o rei branco. Mas, confesso que ele me surpreendeu. Ele demorou muito para morrer – riu novamente. – Acho que foi depois de ver as pedras, os campos e o povo morrendo que ele se entregou, afinal – sorriu mais abertamente. – N?o lhe parece um pouco com as nossas guerras, Sênior.

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  - N?o, n?o acho... E sim, reconhe?o vocês, muitos de vocês, meus irm?os, apesar de que vocês est?o muito mudados, e n?o só em aparência.

  - Isso, é isso, essa palavra que eu queria ouvir: irm?os. Essa é a palavra certa, a palavra mágica que alegra os nossos cora??es – falou como um estrondo com uma estudada vibra??o feliz para todos ouvirem enquanto se erguia do trono e se aproximava todo amistoso dos ganedrais.

  Mas parou a pouca distancia, os modos se fechando, a cabe?orra se mexendo, como se cheirasse o ar.

  > Ora, mas o que estou sentindo? – estranhou, os olhos fixos em Sênior. – Por que sinto que est?o aqui com outros objetivos, que n?o o de se unirem a nós?

  - Porque n?o viemos para nos juntarmos a vocês, meus irm?os. Vocês caíram, veem isso? Vocês est?o muito fundo na experiência.

  Possesso, Negrumo deu um murro numa mesa de pedras, que se estilha?ou e desmoronou.

  - A velha conversa, a velha conversa? Trai??o ainda. Traidores ainda se mantém? – gritou, os modos nervosos.

  - Trai??o? Como pode haver trai??o, Haamiah? Ainda somos os mesmos. S?o vocês que mudaram. Viemos até aqui para que nos vejam, e ent?o se vejam, e assim se lembrem e retornem para nós – contestou Castiel, a voz num tom pacificador e gentil.

  - Traidor, traidores... Como podem? – perguntou tomado de ódio. – Vocês estavam lá quando o conselho escarneceu de nós e nos amea?ou, e vocês, dranians, s?o caídos, s?o escória de anjos.

  - Haamiah – Castiel elevou sua voz, tentando dar a ele algo conhecido. Mas, desanimado viu que ele estava fora do alcance.

  - Haamiah morreu, e foi pelas m?os de vocês... Vocês me mataram como Haamiah – acusou, tocando forte o peito, como se uma dor imensa estivesse ali dentro. - Nós n?o mudamos, mas vocês sim. Nós somos os traídos pela família, e sempre fomos o que somos agora. Mas vocês... Vocês n?o merecem as esperan?as que nós tivemos. Que morram, que desapare?am – gritou em raivoso desespero.

  Dito isto, como uma explos?o os dem?nios se fecharam sobre eles.

  Enquanto se batiam eram ouvidos gritos e xingamentos, e muitas acusa??es, dizendo que que agora entendiam, que agora viam que tinham sido eles que fizeram a cabe?a dos conselheiros contra eles, e que eram eles, desde o início, a escurid?o infiltrada no meio deles.

  A batalha durou alguns dias, porque os dois grupos se equilibravam. Do castelo a batalha foi se estendo para as terras devastadas. Se os ganedrais tinham um poder maior, os dem?nios tinham um número maior. Todos eles sabiam que ali somente um lado poderia sobreviver àquela loucura insana e desvairada, cega, surda, que somente se ocupava de suas insanidades.

  Sênior olhou os lados e sofreu pelas mortes que continuavam a acontecer. Ent?o, decidido, aparou o golpe que um dem?nio lhe dirigia. Como se ele fosse apenas uma sombra o passou na espada, come?ando uma pequena corrida em dire??o àquele que n?o poderia mais estar por ali, se quisesse ter alguma chance de liberar muitos outros.

  Quando Negrumo o viu avan?ar em sua dire??o, com um chute lan?ou um dranian para o lado. Com um grito de raiva e desprezo se precipitou contra o antigo amigo, gritando “traidor” a cada baque seco das espadas.

  Sênior n?o conseguiu sentir alívio quando os dem?nios, após verem o corpo inerte de Negrumo aos seus pés, foram se dispersando.

  Inspirou fundo e demorado, o peso no cora??o ardendo em seus olhos.

  Ent?o se tornou alerta, vendo a pequena m?nada esmaecida de Haamiah pulsar e desaparecer no ar.

  Sênior mais que depressa alterou sua frequência, e mais uma vez e mais outra e outra, vezes sem conta, procurando, vasculhando as dimens?es. Surpreso viu que n?o conseguia mais saber da m?nada de Negrumo.

  - O encontrou? – Castiel perguntou afoito, vendo Sênior retornar das outras dimens?es, preocupado com os sinais desanimadores em seu rosto.

  - Nem sinal, meu amigo – declarou, a tristeza impressa na voz. – E quanto às outras, conseguiu encontrá-las?

  - Também n?o, meu irm?o. Elas se foram – contou Castiel, a voz quase em um sussurro.

  - Ent?o, é o que eu temia – contou Khyah, sentando-se desanimada no topo de uma colina, de onde podia ficar observando as montanhas queimadas no meio da planície arruinada. – Ele caiu demais. Deve ter sido retornado para o UM, para ser reiniciado. N?o há outra explica??o.

  - Há, se ele n?o quiser ser encontrado – aventou Sênior.

  - Mas, ent?o, ele teria que ter deixado sua loucura insana de lado para poder pensar nisso. Acho isso bem improvável. Ele já n?o tinha os pensamentos alinhados – Jophiel murmurou.

  - Melhor assim... Ele terá muitas vidas para purgar a loucura em que cedeu – falou Beliel juntando à sua volta os dranians. Após os cumprimentos de despedida, com um aceno cada um deles se foi, deixando aquelas terras crestadas.

  - E o que vamos fazer? Talvez Beliel esteja certo – murmurou Azazel.

  - é provável, mas eu preciso ter certeza disso – Sênior falou, disparando para duas dimens?es acima, onde já o esperavam os arcanjos Emanoel e Yeshua.

  Ao ver os dois, e sentir suas energias, Sênior tranquilizou sua alma, respirando novamente sem o peso que vinha carregando.

  - O que procura, meu irm?o? - Emanoel perguntou assim que ele flutuou à frente dos dois.

  - Procuro pelo meu irm?o Haamiah, que caiu ante minha espada.

  - N?o ser encontrado por você é parte da experiência que ele deseja, eu amigo – declarou Emanoel com enorme carinho.

  - Era a experiência que ele desejava, meu irm?o – ouviu de Yeshua na voz terna e amena que sempre amenizava suas dores – Aplaque suas afli??es.

  - Mas, o que lhe aconteceu quando o matei? Ele se dissolveu, ele voltou para o UM?

  - Depende do tempo que mede, meu amigo – Emanoel sorriu. – Sempre voltamos para o UM, como sempre dele saímos, porque nunca o deixamos.

  - Eu sei, meu irm?o. Mas é que...

  - Ah, Sênior, sei da dor que carrega – Emanoel interrompeu com carinho, - e tor?o para que entenda: n?o há culpa, nunca houve, nunca haverá. Experiências compartilhadas... Entende como é impossível para um ser imortal, que vive num n?o tempo, sentir-se culpado por algo? Deixe ir, deixe passar.

  - A queda, meu amigo, é se deixar envolver na ilus?o da dualidade... – alertou Yeshua.

  Sênior ficou parado ante os dois, a mente remoendo tudo o que eles lhe disseram.

  Ent?o, com humildade sorriu, e aceitou.

  - Bem, vocês est?o certos. N?o há culpa, dele ou minha. Viverei com isso... – sorriu para os dois.

  II

  A m?nada se deixou flutuando, examinando, sentindo o peso da mágoa que lhe tirava as cores e a luz que sabia ser. Ent?o viu um poderoso ser vasculhando os espa?os nas dimens?es, e soube quem ele era e o que buscava. Apressadamente se ocultou.

  - Um dia, um dia terei a minha vingan?a... – suspirou a m?nada diminuindo a pouca luz que era, resolvendo adormecer.

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